quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Sirva-te do Coração!


Na filosofia, há uma máxima de Kant que afirma: “sapete aude!”, traduzindo ela significa: tens a coragem de servir-te de tua própria inteligência. Fico pensando que em meio ao contexto do iluminismo, essa frase certamente deveria provocar um prazer indescritível nos jovens que buscavam uma maior liberdade de expressão. Porém, se fosse dizer uma frase para inspirar o jovem de hoje, eu diria algo diferente, diria: Jovem, tenhas a coragem de servir-te do teu próprio coração!

A paráfrase me parece ter sentido se considerarmos o nosso atual contexto. Há muito as instâncias tradicionais contra as quais os iluministas ousaram levantar a sua banderia deixaram de representar uma ameaça para o indivíduo. Hoje, com a internet, se tornou realtivamente fácil ao jovem manifestar a sua opinião, e com isso ainda angariar simpatizantes e seguidores. Em certo sentido, pode-se dizer que acabou o monopólio das ideologias. A liberdade de expressão do pensamento encontra hoje, em nosso atual contexto, um lugar deveras tranquilo.

Numa conferência que participei, sobre a Divina Comédia, de Dante Aleghieri, o palestrante comentou um episódio que me chamou muito a atenção: “estando no último degrau do purgatório, na impossibilidade de convencer Dante, a atirar-se na fogueira da purificação - último passo antes de chegar ao céu - Virgílio, - que representa a razão clássica -, tem de apelar para o amor da vida de Dante para conseguir convencê-lo a lançar-se às chamas:” - “se não te lançares ao fogo não poderás encontrar com Beatriz, que está no Céu”, disse Virgílio. Foi o que bastou para o temeroso Dante lançar-se destemidamente à fogueira. O apelo ao grande amor de sua vida, conseguiu motivá-lo a fazer o que a razão por si só se mostrou incapaz. Pude perceber nesse episódio um apelo ao coração.

Se lançarmos um olhar sobre a história, perceberemos que já nos tempos em que vivia Sócrates, o coração era entendido como “a sede das emoções”. E se observarmos a História do Filosofia, notaremos que a reação frente ao predomínio da racionalidade costuma ser o contrabalanceada pelo resgate da importância dos sentimentos e das emoções. Contra a pretensão cartesiana de encontrar um método seguro para a elaboração do conhecimento, já dizia o filósofo Blaise Pascal: “o último passo da razão é o de reconhecer que existem infinitas coisas que a superam”.

A razão por si só parece não ter conseguido trazer ao homem a plenitude da realização da existência. Basta observar que talvez na história nunca houve tantas pessoas estudando como em nossos tempos. Mas também nunca houve tanta depressão. Nunca se vendeu tantos medicamentos, drogas e “pílulas para a felicidade”. No individualismo contemporâneo, o ser humano sofre da mais profunda solidão, e ironicamente, em meio a maior explosão demográfica populacional. Isto nos leva a pensar: o que falta então? Sem dúvida a razão participa do todo da constituição da pessoa, mas não pode pretender-se absoluta. O homem não é um ser exclusivamente racional.

Penso que uma via para responder a questão é resgatar novamente o valor e a importância “das coisas do coração”. Já dizia Saint Exupéry: “o essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração”, e nisso, dizia uma grande verdade. Mais tarde viria a comprovar-se, através do estudo da fisiologia do cérebro, que menos que 20% das motivações do ser humano se dão por meio da razão. Estudos mostram que nossas ações são muito mais determinadas pela força dos instintos, desejos e afetos do que pela nossa capacidade de raciocínio.
Se a força da nossa capacidade de raciocínio é tão pequena frente aos demais condicionamentos inerentes ao ser humano, talvez o melhor caminho para justificar a liberdade - que conduz o ser ao bem e à felicidade -, não seja apelar ao uso exclusivo da razão, mas sim, ao uso da capacidade de amar. O amor me parece ser uma força mais poderosa e motivadora para a vida do que a razão por si só. Do ponto de vista do coração eu ousaria afirmar: “verdadeiramente livre é quem ama”. Mas como convencer as pessoas do valor e da importância do amor? É aí que faço um apelo à juventude.

Creio que se alguém pode fazer a diferença, esse alguém é o jovem. Muitas das grandes façanhas da humanidade foram protagonizadas por pessoas jovens. Desde a era mitológica, a expressão divina do herói - aquele que salva, aquele que faz com que as coisas mudem de forma radical -, se não o é, ao menos tem um um perfil de jovem. Na mitologia, o herói é o jovem que ainda embora possa ser fisicamente frágil e inexperiente, conta com a ajuda de grandes forças que o ajudam a realizar grandes façanhas. Essas grandes forças não existiriam se o jovem não tivesse fé, não acreditasse que é possível fazer a diferença. Essa ousadia, que é característica do jovem, gera a capacidade de acreditar num sonho de transformação, leva o jovem a realizar verdadeiros milagres. A vida, enquanto potencial transformador da história, encontra na juventude o ápice de sua expressão.

Ser jovem significa acreditar em si, na suas capacidades, ter fé e principalmente amar. A beleza da vida tem na juventude a sua máxima expressão. Os anos de juventude, se não bem vividos, são frequentemente lamentados nas fases posteriores de nossas vidas. O tempo é o algoz da humanidade, mas o poder transformador da juventude se perpetua de geração em geração.
É preciso acreditar. É preciso crer que um mundo melhor é possível, e que todo o jovem tem dentro de si essa potencialidade transformadora, bem como o gérmem do amor pelo qual se pode dar testemunho dessa força para a humanidade. Mas se o jovem não ama senão a si mesmo, e por conseguinte não é feliz, que testemunho de amor pode deixar para a posteridade? É preciso assumir na própria vida a mudança que se quer ser. Ser a mudança que se quer ver.

Seja em atividades que exijam esforço ou criatividade, o jovem é privilegiado pela força da natureza, por ter maior energia e disposição. A juventude é uma dádiva, que passa com o tempo, mas que se intesamente vivida e bem aproveitada, pode gerar os melhores frutos da nossa vida e deixar para as futuras gerações uma rica herança de valores que irão se perpetuar nas seguintes gerações. Faço um desafio ao jovem para que se permita amar e ser amado. Ouse permitir-se dar mais amor do que querer receber, e creio que encontrará nisso sentido para a sua vida e gozará de uma plena realização de sua existência.


Tiago Zeni, sj.