Na filosofia, há uma
máxima de Kant que afirma: “sapete aude!”, traduzindo
ela significa: tens a coragem de servir-te de tua própria
inteligência. Fico pensando que
em meio ao contexto do iluminismo, essa frase certamente deveria
provocar um prazer indescritível nos jovens que buscavam uma maior
liberdade de expressão. Porém, se fosse dizer uma frase para
inspirar o jovem de hoje, eu diria algo diferente, diria: Jovem,
tenhas a coragem de servir-te do teu próprio coração!
A
paráfrase me parece ter sentido se considerarmos o nosso atual
contexto. Há muito as instâncias tradicionais contra as quais os
iluministas ousaram levantar a sua banderia deixaram de representar
uma ameaça para o indivíduo. Hoje, com a internet, se tornou
realtivamente fácil ao jovem manifestar a sua opinião, e com isso
ainda angariar simpatizantes e seguidores. Em certo sentido, pode-se
dizer que acabou o monopólio das ideologias. A liberdade de
expressão do pensamento encontra hoje, em nosso atual contexto, um
lugar deveras tranquilo.
Numa
conferência que participei, sobre a Divina Comédia, de Dante
Aleghieri, o palestrante comentou um episódio que me chamou muito a
atenção: “estando no último degrau do purgatório, na
impossibilidade de convencer Dante, a atirar-se na fogueira da
purificação - último passo antes de chegar ao céu - Virgílio, -
que representa a razão clássica -, tem de apelar para o amor da
vida de Dante para conseguir convencê-lo a lançar-se às chamas:”
- “se não te lançares ao fogo não poderás encontrar com
Beatriz, que está no Céu”, disse Virgílio. Foi o que bastou para
o temeroso Dante lançar-se destemidamente à fogueira. O apelo ao
grande amor de sua vida, conseguiu motivá-lo a fazer o que a razão
por si só se mostrou incapaz. Pude perceber nesse episódio um apelo
ao coração.
Se
lançarmos um olhar sobre a história, perceberemos que já nos
tempos em que vivia Sócrates, o coração era entendido como “a
sede das emoções”. E se observarmos a História do Filosofia,
notaremos que a reação frente ao predomínio da racionalidade
costuma ser o contrabalanceada pelo resgate da importância dos
sentimentos e das emoções. Contra a pretensão cartesiana de
encontrar um método seguro para a elaboração do conhecimento, já
dizia o filósofo Blaise Pascal: “o último passo da razão é o de
reconhecer que existem infinitas coisas que a superam”.
A
razão por si só parece não ter conseguido trazer ao homem a
plenitude da realização da existência. Basta observar que talvez
na história nunca houve tantas pessoas estudando como em nossos
tempos. Mas também nunca houve tanta depressão. Nunca se vendeu
tantos medicamentos, drogas e “pílulas para a felicidade”. No
individualismo contemporâneo, o ser humano sofre da mais profunda
solidão, e ironicamente, em meio a maior explosão demográfica
populacional. Isto nos leva a pensar: o que falta então? Sem dúvida
a razão participa do todo da constituição da pessoa, mas não pode
pretender-se absoluta. O homem não é um ser exclusivamente
racional.
Penso
que uma via para responder a questão é resgatar novamente o valor e
a importância “das coisas do coração”. Já dizia Saint
Exupéry: “o essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com
o coração”, e nisso, dizia uma grande verdade. Mais tarde viria a
comprovar-se, através do estudo da fisiologia do cérebro, que menos
que 20% das motivações do ser humano se dão por meio da razão.
Estudos mostram que nossas ações são muito mais determinadas pela
força dos instintos, desejos e afetos do que pela nossa capacidade
de raciocínio.
Se
a força da nossa capacidade de raciocínio é tão pequena frente
aos demais condicionamentos inerentes ao ser humano, talvez o melhor
caminho para justificar a liberdade - que conduz o ser ao bem e à
felicidade -, não seja apelar ao uso exclusivo da razão, mas sim,
ao uso da capacidade de amar. O amor me parece ser uma força mais
poderosa e motivadora para a vida do que a razão por si só. Do
ponto de vista do coração eu ousaria afirmar: “verdadeiramente
livre é quem ama”. Mas como convencer as pessoas do valor e
da importância do amor? É aí que faço um apelo à juventude.
Creio que se alguém
pode fazer a diferença, esse alguém é o jovem. Muitas das grandes
façanhas da humanidade foram protagonizadas por pessoas jovens.
Desde a era mitológica, a expressão divina do herói - aquele que
salva, aquele que faz com que as coisas mudem de forma radical -, se
não o é, ao menos tem um um perfil de jovem. Na mitologia, o herói
é o jovem que ainda embora possa ser fisicamente frágil e
inexperiente, conta com a ajuda de grandes forças que o ajudam a
realizar grandes façanhas. Essas grandes forças não existiriam se
o jovem não tivesse fé, não acreditasse que é possível fazer a
diferença. Essa ousadia, que é característica do jovem, gera a
capacidade de acreditar num sonho de transformação, leva o jovem a
realizar verdadeiros milagres. A vida, enquanto potencial
transformador da história, encontra na juventude o ápice de sua
expressão.
Ser jovem significa
acreditar em si, na suas capacidades, ter fé e principalmente amar.
A beleza da vida tem na juventude a sua máxima expressão. Os anos
de juventude, se não bem vividos, são frequentemente lamentados nas
fases posteriores de nossas vidas. O tempo é o algoz da humanidade,
mas o poder transformador da juventude se perpetua de geração em
geração.
É preciso acreditar. É
preciso crer que um mundo melhor é possível, e que todo o jovem tem
dentro de si essa potencialidade transformadora, bem como o gérmem
do amor pelo qual se pode dar testemunho dessa força para a
humanidade. Mas se o jovem não ama senão a si mesmo, e por
conseguinte não é feliz, que testemunho de amor pode deixar para a
posteridade? É preciso assumir na própria vida a mudança que se
quer ser. Ser a mudança que se quer ver.
Seja em atividades que
exijam esforço ou criatividade, o jovem é privilegiado pela força
da natureza, por ter maior energia e disposição. A juventude é uma
dádiva, que passa com o tempo, mas que se intesamente vivida e bem
aproveitada, pode gerar os melhores frutos da nossa vida e deixar
para as futuras gerações uma rica herança de valores que irão se
perpetuar nas seguintes gerações. Faço um desafio ao jovem para
que se permita amar e ser amado. Ouse permitir-se dar mais amor do
que querer receber, e creio que encontrará nisso sentido para a sua
vida e gozará de uma plena realização de sua existência.
Tiago Zeni, sj.